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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Reportagem - Para controlar as inundações, os holandeses se inspiram na Natureza

 

O sistema de diques e canais holandês é o melhor do mundo há muito tempo. Contudo, à medida que o país confronta os desafios das alterações climáticas, ele está cada vez mais dependente de técnicas que imitam os sistemas naturais e aproveitam o poder da Natureza de segurar as águas

POR CHERYL KATZ

Num dia frio de Inverno, na costa do centro-sul da Holanda, duas pessoas passeavam, encolhidos e contra o vento, pelas areias que se estendem por dois quilômetros junto ao Mar do Norte. Ali perto, um praticante de snowkite desliza sobre 78 mil m2 de sedimentos que se espalham ao longo da costa. Se tudo correr como planejado, a pilha de sedimentos desaparecerá devido às correntes marítimas, protegendo a costa durante as próximas duas décadas.

Trata-se do Banco de areia, uma das últimas inovações dos mestres da tecnologia holandesa para controlar as inundações. De acordo com o corpo de gestão das águas Rijkswaterstaat, o projeto foi concebidopara que “a Natureza devolva a areia para onde ela pertence”. Depois de construírem o famoso sistema nacional de canais e diques, os engenheiros e construtores holandeses estão a melhorando a ideia com uma nova tecnologia que conta com a ajuda da natureza para manter a água afastada.

“Normalmente, existe muita erosão nesta área”, diz Mathijs van Ledden, engenheiro hidráulico. Van Ledden é um especialista na redução dos riscos de inundações da Royal HaskoningDHV, uma consultora holandesa envolvida na criação do Banco de areia que tem, atualmente, 3,5 quilómetros de extensão. “Este grande reservatório de areia deverá cobrir o resto da costa a tempo” afirma o engenheiro, apontando para a linha do horizonte de Haia, a quilômetros de distância.

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Projeto Sand Engine 

Foto de Rijkswaterstaat/Joop van Houdt

O Banco de areia irá fortificar as praias em erosão enquanto as correntes marítimas redistribuem os resíduos.

O Banco de areia é o projeto de relevo da Building with Nature, um consórcio de indústrias, universidades, institutos de pesquisa e agências públicas de água holandeses. Este consórcio procura aproveitar os sistemas naturais para a próxima geração de engenharia hidráulica. Concluído em finais de 2011, com custos de 50 milhões de euros (67 milhões de dólares), o objetivo do Banco de Areia é fornecer uma fortificação em longo prazo para as praias em erosão enquanto as correntes marítimas redistribuem os resíduos. Até agora, esta linha de areia precisava ser substituída a cada cinco anos, exigindo um sistema de dragagem muito caro que danificava os ecossistemas marinhos. O Banco de areia alimentará as praias durante 20 anos, pela metade do preço, disse Marcel Stive, chefe da engenharia costeira na Delf University of Tecnology (TU Delf) e principal criador desta tecnologia.

A maior comporta do mundo - barreira de Maeslant - Roterdam - Holanda

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“No momento, é a costa mais segura que temos”, garantiu Stive. Quando a areia estiver completamente espalhada protegerá 20 quilômetros (12,4 milhas) da costa do nível atual da subida do mar, continuou. Se a quantidade de água aumentar, “continuaremos a adicionar mais areia”.

Com os níveis do mar subindo a cada dia e com as alterações climáticas que eventualmente aumentarão a ocorrência e a intensidade de tempestades, a proteção contra inundações é um problema mundial cada vez mais importante. Os holandeses estão na vanguarda da tecnologia de controle de inundações, e há muito tempo conscientes dos danos que a fluência dos oceanos e as cheias nos rios podem causar no seu país que se encontra abaixo do nível do mar.
A engenharia hidráulica tem sido desenvolvida desde a Idade Média e os 16,7 milhões de habitantes da Holanda têm os “pés secos” devido a uma rede de diques, canais e maravilhas de engenharia, como a Barreira Maeslant, perto de Roterdã: duas portas flutuantes, do tamanho da Torre Eiffel, que fecham automaticamente para proteger a cidade e o seu porto principal sempre que surge a ameaça de uma tempestade no Mar do Norte.

A gestão das águas é um grande negócio nos Países Baixos: os engenheiros hidráulicos holandeses e as indústrias relacionadas lucraram cerca de 7,5 mil milhões de euros (10 mil milhões de dólares) em 2008 com projetos em todo o mundo, segundo números recentes do Netherlands Water Partnership. Apesar de os holandeses exportarem as suas maravilhas de engenharia para todo o mundo, concebendo estruturas mecânicas gigantes, como a Barragem do Tamisa em Londres, no seu país natal o futuro da proteção contra as cheias passa pelo regresso aos sistemas mais básicos. Utilizam materiais naturais, imitam os sistemas naturais e aproveitam o poder da natureza para protegerem esta nação tão vulnerável.
Uma nova infra-estrutura tem de minimizar o impacto ambiental e tem de se adaptar às permanentes alterações climáticas.

Projetos como o Banco de areia mostram o potencial e os desafios da gestão do risco de inundações, disse Jos Maccabiani, um engenheiro geotécnico que trabalha para o instituto sem fins lucrativos de pesquisa aplicada Deltares e que é também secretário do programa Controle das cheias até 2015, uma iniciativa nacional para melhorar a gestão das águas. Além dos baixos custos, a nova infraestrutura tem o objetivo de minimizar o impacto ambiental e tem de se adaptar às permanentes alterações climáticas.

“Como é possível construir estas estruturas de forma que elas podem ser melhoradas, sem que gastem muito dinheiro?” perguntou. “É este o desafio em que estamos trabalhando neste momento.”

Uma das soluções é usar organismos vivos como barreiras naturais. Uma floresta de mangues, por exemplo, “tende a juntar sedimentos e faz com que eles cresçam proporcionalmente à subida do nível do mar, enquanto estas soluções arenosas perdem areia a todo o momento”, disse Mindert de Vries, biólogo marinho do instituto Deltares. De Vries, um especialista em eco engenharia, está projetando diques híbridos, plantando vegetação junto ao mar para absorver as primeiras ondas do oceano. O próprio dique pode ser mais baixo, mais barato e mais durável do que um dique tradicional. De Vries estimou um corte nos custos de cerca de 30%.
“Novos diques para um novo século”, disse ele. “Uma solução suave.”
A natureza está também está sendo recrutada para transformar os diques existentes em “diques mais ricos” e ecologicamente melhorados, que imitam as costas rochosas e são habitat para organismos marinhos. Fazer estes acréscimos ao dique, do lado virado para o mar, amortece as ondas e reduz as cheias, disse Jasper Fiselier, planejador ambiental da Royal HaskoningDHV e gestor de projetos da Building with Nature.
A Natureza está sendo recrutada para transformar os diques existentes em diques ecologicamente melhorados que imitem as costas rochosas.

Para ajudar a natureza, os pesquisadores holandeses estão trabalhando em novos materiais para os diques, como cimento flexível para juntar as pedras que absorverão a energia, geotêxtis que previnem a erosão interna e amortece a ação das ondas. Um processo intrigante fortalece os diques por meio de “sedimentos biológicos” produzidos por bactérias que foram alimentadas com uma substância que as faz expelir cálcio. Até ao momento, o projeto não funciona em grande escala.

As novas ideias são uma solução melhor do que as barreiras, dizem os proponentes. “Se fizer um dique [de cimento] e as condições se alterarem, terei de refazer tudo”, disse Fiselier. “No entanto, uma defesa suave necessitaria apenas de meio metro [de terra] por cima.”

Os Países Baixos estão considerando as estruturas de eco engenharia, num pacote de mil milhões de euros (1,34 milhões de dólares) para efetuar melhoramentos quanto à proteção contra as cheias.

O primeiro dique híbrido do país está sendo construído perto de Dordrecht. As ondas perderão força numa floresta de salgueiros inundada antes de chegarem ao dique. “O dique será muito mais suave e mais baixo, porque assim ele consegue retardar as ondas”, disse de Vries. “A natureza é a nossa primeira linha de defesa.” Outros países, incluindo Singapura e o Vietnã, mostraram interesse nestes novos projetos, segundo de Vries.

Construir com a natureza é um desafio especial em áreas urbanas, disse Matthijs Kok, professor de riscos de inundação da TU Dreft e membro de uma empresa de consultoria ambiental, a HKV Consultants. A sua solução passa por diques multifuncionais, que combinem funções ecológicas, recreativas e econômicas para o controle das cheias. “Parece muito fácil, mas não é”, disse Kok. “Não é, porque existem muitos acionistas e muitos interesses.” Para satisfazer os diferentes interesses, tais como os negócios de restauração ou de hotelaria, locais públicos como praias ou caminhos rurais e as áreas naturais estão sendo integrados em projetos de controle das cheias. Por exemplo, está sendo construído no resort de Scheveningen um novo dique, protegido por uma praia alargada e escondido sob uma esplanada, onde as pessoas podem andar a pé ou de bicicleta.
Um dique novo está protegido por uma praia alargada e escondida sob uma esplanada.

No entanto, utilizar a natureza para combater as cheias não resolve todos os problemas. As dunas e as plantas ocupam mais espaço do que os diques tradicionais. Além disso, com as previsões de maiores tempestades e de condições marítimas mais fortes, as defesas naturais nem sempre serão suficientemente fortes.

“Temos de falar honestamente”, disse van Ledden. “Uma floresta não nos vai proteger contra uma onda de seis ou oito metros, portanto há limites.”

Além da proteção contra as cheias por meio de sistemas naturais melhorados, os cientistas e engenheiros holandeses estão trabalhando também para “melhorar o processo de decisão quando as coisas correm mal”, segundo Maccabiani.

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Embarcação holandesa bombeia material para projeto Sand Engine

Fotos cedidas pelo instituto Deltares

Um “dique inteligente”, que contém sensores que enviam relatórios de estado em tempo real sobre a condição do dique para quem toma decisões.

Para tal, o instituto Deltares está desenvolvendo diques inteligentes, com sensores que enviam relatórios de estado em tempo real por meio de redes de celulares. O objetivo é dar “mais tempo de reação quando se vê algo dentro do dique”, disse Maccabiani. Receber avisos imediatos de que existe algum problema num dique poderá facilitar as reparações ou permitir a evacuação dos habitantes a tempo.

O sistema ainda está em fase de teste e Maccabiani afirma que os pesquisadores estão discutindo o assunto com o Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos e com várias universidades americanas para instalarem um projeto piloto no Mississipi.

Outro projeto que deve ser executado pelo Deltares é o 3DI, que utiliza LIDAR, um sistema de imagens laser a três dimensões, para mapear a capacidade de armazenamento de água subterrâneo. O sistema, com o lançamento previsto para 2014, irá identificar pontos vulneráveis a inundações e locais onde o excesso de água, por exemplo, resultante do escoamento das chuvas, pode ser acomodado.

Muitas áreas dos Estados Unidos, incluindo as costas do sul da Califórnia, da Florida e New Jersey, também se beneficiariam desta proteção suave ou natural, segundo de Vries. Mas até ao momento, os novos projetos não receberam muita atenção vinda do outro lado do Atlântico. Segundo de Vries, os engenheiros americanos são “a favor da construção de diques e estruturas fortes”. “E as pessoas que se interessam pela natureza não são muito reconhecidas nos Estados Unidos.”

A nova tecnologia holandesa é promissora e as agências de gestão das águas nos Estados Unidos estão atentas, disse Jason Needham, um especialista do Centro de gestão de riscos do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos, que passou recentemente um ano nos Países Baixos em um programa profissional. No entanto, dispositivos sofisticados como o dique inteligente são caros e ainda não provaram o seu valor, disse Needham. Quanto às defesas naturais, disse que os conceitos são bons e que “todos concordam que as nossas zonas úmidas precisam ser restauradas”.

Os dois países têm abordagens diferentes quanto ao controle das águas, os holandeses têm o foco na prevenção e os americanos enfatizam a preparação para emergências e a recuperação. No entanto, agora que somos confrontados com um futuro incerto, os objetivos começam a convergir. O principal objetivo, segundo Needham, é “dar mais segurança às pessoas sem construir um muro muito alto”.

Fonte; http://e360yale.universia.net/para-controlar-as-inundacoes-os-holandeses-se-inspiram-na-natureza/?lang=pt-br

ch SOBRE A AUTORA Cheryl Katz é autora de artigos científicos de São Francisco. Após ter sido jornalista para o Minneapolis Star-Tribune, o Miami Herald e o Orange County Register, é uma freelancer especializada em histórias sobre problemas ambientais e alterações climáticas. Os seus artigos são publicados no Scientific American, Environmental Health News, e no The Daily Climate.