4 DE ABRIL DE 2012 - 9H35
Com a proximidade da Páscoa, cresce consideravelmente o consumo de bacalhau. Até agora, as opções disponíveis na maior parte do país eram todas importadas. Mas acaba de chegar ao mercado o Bacalhau da Amazônia, feito a partir da salga do pirarucu (Arapaima gigas), peixe exclusivo da bacia amazônica. Uma opção saudável, ecologicamente correta e brasileiríssima.
Presente nos mercados do Norte desde o final do ano passado, o Bacalhau da Amazônia passa a ser vendido também em São Paulo através da rede de supermercados do grupo Pão de Açúcar.
O lançamento do produto na região sudeste aconteceu nesta segunda-feira, dia 2 de abril, no Restaurante Dressing, em São Paulo, e contou com a presença de empresários paulistas, jornalistas especializados, a direção do Grupo Pão de Açúcar, autoridades como o presidente da Fundação Amazonense de Desenvolvimento Sustentável (FAS), Virgílio Viana, a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), a Secretária de Agricultura de São Paulo, Mônika Bergamaschi e convidados especiais como o casal de atores e ativistas ambientais Bruna Lombardi e Calos Alberto Riccelli.
Eron Bezerra, secretário estadual de Produção Rural do Amazonas, é um dos grandes incentivadores do bacalhau brasileiro. Ele apresentou a novidade em janeiro, durante o Fórum Social Temático, em Porto Alegre, onde o Bacalhau da Amazônia, também conhecido como Bacalhau do Norte, foi classificado como o melhor exemplo de alternativa para o desenvolvimento sustentável.
Durante o lançamento do produto em São Paulo, o secretário afirmou que o governo do Amazonas fez questão de escolher a capital paulista como a primeira cidade, depois de Manaus, a lançar o Bacalhau da Amazônia. “A maior cidade do país é também reconhecida pelo refinamento e pujança de sua gastronomia, então para nós é um grande desafio trazer este produto para cá, onde o mercado consumidor é muito exigente. Mas temos certeza que os paulistas, em pouco tempo, aprenderão a gostar do bacalhau de pirarucu tanto quanto nós, amazonenses, gostamos”, disse Eron.
Ele agradeceu a parceria com o grupo Pão de Açúcar e também o apoio institucional dado pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que conseguiu viabilizar convênios e emendas parlamentares que garantiram o investimento necessário para o projeto do Bacalhau da Amazônia. O empreendimento recebeu investimento de R$ 4 milhões – divididos entre os governos estadual e federal, por meio da Financiadora de Projetos e Estudos (Finep), e pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).
Produção sustentável
O secretário destacou que o pirarucu salgado já está presente na mesa dos amazonenses há muito tempo, inclusive sendo vendido em abundância nos mercados populares, de forma artesanal, mas agora o processo de industrialização agrega valor ao produto cujos princípios de produção são a sustentabilidade ambiental, a justiça social e a viabilidade econômica.
Segundo ele, a iniciativa busca promover e assegurar o uso sustentável da biodiversidade, respeitando a cultura e tradições dos produtores e ribeirinhos, que se encontram dentro do bioma amazônico. "O Bacalhau da Amazônia é considerado a grife das grifes da Amazônia porque transforma a riqueza natural em riqueza material. Isto sim é sustentabilidade real, criando alternativa econômica a partir da nossa matéria-prima", declara o secretário.
Para a senadora Vanessa Grazziotin, “o que está acontecendo no Amazonas, com projetos como esse, é a aplicação, na prática, de todo o debate que se faz sobre sustentabilidade”.
Também presente no evento, o pescador Luiz Gonzaga Medeiros de Matos, o Luizão, diz que o projeto do Bacalhau da Amazônia conseguiu colocar a cidade de Maraã no mapa do Brasil. Líder da colônia de pescadores da reserva de desenvolvimento sustentável Mamirauá, ele fala com emoção e orgulho do projeto e destaca que a pesca manejada ajudou a conscientizar os pescadores sobre a importância da preservação ambiental . “Quem mora na região precisa sobreviver e iria continuar pescando ilegalmente se não houvesse este projeto. Hoje, temos muitas regras para poder manejar o pirarucu. É preciso pagar vigias para evitar que pessoas de fora façam a pesca predatória, por exemplo. E temos que respeitar a época de pesca, restrita aos meses de outubro e novembro, com limitação de número de peixes pescados”, diz. Anualmente, é permitido pescar até 30% dos pirarucus adultos, que já chegaram aos 60 kg.
Estima-se que há cerca de 40 mil peixes da espécie na área de manejo. A primeira safra voltada para a produção de bacalhau ocorreu no ano passado e contou com 2.700 peixes que foram retirados de 37 lagos da Reserva Mamirauá.
Fábrica em Maraã
A primeira indústria do produto na América do Sul foi inaugurada no ano passado pelo governador Omar Aziz no município de Maraã (a 635 km de Manaus), com capacidade de processar 1,5 mil toneladas por ano. Uma segunda fábrica de salga de peixe, com o dobro da capacidade, está sendo construída no município de Fonte Boa (a 680 quilômetros de Manaus). Com as duas fábricas em atividade, será possível processar todo o pirarucu do Estado, garante a Sepror.
O faturamento dos produtores que fornecem pirarucu para a Fábrica de Bacalhau da Amazônia teve acréscimo de quase 100% só nos quatro primeiros meses de operação da fábrica.
Se cada tonelada de bacalhau for vendida a R$ 25 mil (o quilo a R$ 25), o faturamento das duas indústrias alcançará algo em torno de R$ 112,5 milhões, o equivalente a 2 vezes o orçamento anual das duas cidades. As fábricas serão abastecidas com o pescado de áreas de manejo, como a reserva de Mamirauá e outras RDS da região.
Segundo Eron Bezerra, com o investimento feito na produção do bacalhau de pirarucu, o Governo conseguiu solucionar dois problemas de uma vez só. “Isso porque nós elevamos o preço pago ao produtor e acabamos com a falta de mercado, já que a Fábrica de Bacalhau da Amazônia tem capacidade de processar tudo o que hoje é produzido”, afirma.
Benefícios para a comunidade
Ainda de acordo com Eron, a atividade também ganha relevância por ser autossustentável. Ele explica que, de uma forma geral, o processo de industrialização do pescado costuma ter perdas, mas, no caso da indústria de Maraã, isso não aconteceu. Para que a produção fosse economicamente viável, das 160 toneladas de pirarucu adquiridas seria necessário transformar em produto final pelo menos 30 toneladas. “O Amazonas ultrapassou essa meta. De todo o peixe comprado pelo governo, nós aproveitamos entre 60 e 80 toneladas. Somos autossustentáveis”, comemora o secretário.
Sessenta por cento do peixe processado é transformado em mantas (filé), dos quais 65% são aproveitados pelo processo de salga. As unidades de beneficiamento também estarão aptas a trabalhar com outras espécies de peixe.
Além de gerar 150 empregos diretos e milhares de empregos indiretos, o projeto das indústrias de salga inclui a instalação de creches para as funcionárias e pescadores que tiverem filhos, a construção de áreas de lazer e o principal: a participação no lucro do empreendimento por parte dos pescadores que fornecem matéria-prima para a indústria. Dos 700 pescadores da colônia Z32 de Maraã, 530 estão capacitados para fazer o manejo sustentável do pirarucu.
Pirarucu também é bacalhau?
Há certa polêmica sobre o uso do termo “bacalhau”. Muitos especialistas argumentam que “bacalhau” é um processo específico de salga e cura do peixe, do qual é retirada em média 50% da sua umidade, portanto qualquer pescado que passe por este processo poderia ser batizado de bacalhau. No mercado brasileiro, cinco espécies de peixe são comercializadas como bacalhau (Gadus Morhua, Gadus Macrocephalus, Saithe, Ling e Zarbo). Todas são da ordem dos Gadiformes e provenientes de águas marítimas profundas e geladas.
E há ainda os radicais que acham que somente os dois primeiros (Cod Gadus) têm direito de receber o nome de bacalhau. Por outro lado, também tem quem defenda que o pirarucu salgado não deveria ser chamado de bacalhau pois isso seria uma forma de “desnacionalizar” um produto tipicamente brasileiro. Eron Bezerra discorda desta opinião e argumenta que por não se tratar de um tipo de peixe, mas sim de um processo de salga, o termo bacalhau pode ser aplicado ao pirarucu e irá facilitar sua comercialização, criando uma marca nacional forte, capaz de disputar mercado com o produto importado.
No caso do pirarucu, embora seja de água doce e não faça parte da ordem dos Gadiformes, sua carne se adapta muito bem ao processo de salga utilizado, o que faz com que possa ser vendido como bacalhau. Após dessalgado, sua carne lembra o bacalhau tradicional, tem cor semelhante, variando do branco ao amarelo, mas tem um sabor único. Dependendo da preparação, seu sabor pode ficar mais forte ou mais suave que o bacalhau tradicional. Sua textura também é menos fibrosa que a dos demais tipos de bacalhau e se desfaz em lascas muito bem. Substitui o peixe europeu em qualquer receita e, segundo os chefs que já trabalharam com o produto, ele é ainda mais versátil que o bacalhau tradicional.
O chef do Dressing Ednaldo de Santana, em parceria com o chef Felipe Schaedler, do restaurante Banzeiro, de Manaus, elaboraram um menu especial para o lançamento em São Paulo, incluindo um canapé com pirarucu desfiado e farofa de uarini e pacovan servido na escama do peixe; consommé de tucupi com pirarucu seco; uma brandade de bacalhau e dois pratos principais: pirarucu amazonense (ao forno com fatias de pimentão, vinho branco e creme de castanha do Pará) e Bacalhau de Pirarucu (com mousseline de mandioquinha, leite de coco e gengibre).
O chef do Dressing disse que gostou muito desta primeira experiência com o pirarucu salgado e pretende incluir o produto no cardápio fixo do restaurante paulistano. “A combinação com a farofa de uarini ficou muito boa e podemos trabalhar com esta receita em entradas e também em pratos principais”, disse. Seu colega de Manaus, Felipe Schaedler, afirma que receitas tradicionais como o Bacalhau a Zé do Pipo, Bacalhau a Gomes de Sá e muitas outras podem perfeitamente ser preparadas com o bacalhau de pirarucu. Mas o chef do Banzeiro ressalta que o bacalhau da Amazônia é diferente do bacalhau que conhecemos. “O pirarucu salgado tem textura e sabor diferentes. O peixe é mais gorduroso”, diz.
O diretor comercial do Pão de Açúcar, Pedro Henrique, diz que estão correndo contra o tempo para tentar colocar o peixe à venda antes da Páscoa, mas questões burocráticas podem inviabilizar este intento. “Mesmo se não der para disponibilizar até a Páscoa, não tem problema, os paulistanos consomem bacalhau o ano todo e acreditamos que o produto vindo da Amazônia será um sucesso de venda”, disse.
A expectativa da rede, que vende mais de 5 mil toneladas de bacalhau importado por ano, é que a versão amazonense alcance 5% deste mercado. Também há um acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel/AM) para a comercialização direta do produto industrializado com a cadeia de restaurantes local.
Inicialmente, o produto será vendido apenas em São Paulo, porém, a perspectiva do grupo é levá-lo em breve aos demais Estados brasileiros, especialmente ao Rio de Janeiro – um dos maiores consumidores de bacalhau no Brasil e ao Centro Oeste – grande consumidor de peixes da região Norte. Atualmente o grupo tem filiais em 19 Estados para onde o Bacalhau da Amazônia poderá ser enviado, se houver aceitação suficiente no mercado paulista. O quilo do peixe salgado deve ser vendido em São Paulo com o preço de R$ 35,00 a R$ 39,00.
Vôos internacionais
A marca Bacalhau da Amazônia também poderá alçar voos internacionais. O Governo do Estado e o Ministério de Relações Exteriores (MRE) irão promover, no dia 24 de abril, no Palácio do Itamaraty, em Brasília, o lançamento do produto para as Embaixadas Estrangeiras com sede na capital federal.
Durante o almoço de lançamento em São Paulo, Eron Bezerra disse que “não será surpresa se no futuro estivermos vendendo nosso bacalhau brasileiro para os noruegueses”. A Noruega é, tradicionalmente, o país mais identificado com a produção e exportação do bacalhau.
*Cláudio Gonzalez é jornalista, editor-executivo da revista Princípios e edita o blog gastronômico
Papillon
Com a proximidade da Páscoa, cresce consideravelmente o consumo de bacalhau. Até agora, as opções disponíveis na maior parte do país eram todas importadas. Mas acaba de chegar ao mercado o Bacalhau da Amazônia, feito a partir da salga do pirarucu (Arapaima gigas), peixe exclusivo da bacia amazônica. Uma opção saudável, ecologicamente correta e brasileiríssima.
Por Cláudio Gonzalez
Presente nos mercados do Norte desde o final do ano passado, o Bacalhau da Amazônia passa a ser vendido também em São Paulo através da rede de supermercados do grupo Pão de Açúcar.
O lançamento do produto na região sudeste aconteceu nesta segunda-feira, dia 2 de abril, no Restaurante Dressing, em São Paulo, e contou com a presença de empresários paulistas, jornalistas especializados, a direção do Grupo Pão de Açúcar, autoridades como o presidente da Fundação Amazonense de Desenvolvimento Sustentável (FAS), Virgílio Viana, a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), a Secretária de Agricultura de São Paulo, Mônika Bergamaschi e convidados especiais como o casal de atores e ativistas ambientais Bruna Lombardi e Calos Alberto Riccelli.
Conquista pelo paladar
Eron Bezerra e autoridades falam sobre o projeto Bacalhau da Amazônia
Eron Bezerra, secretário estadual de Produção Rural do Amazonas, é um dos grandes incentivadores do bacalhau brasileiro. Ele apresentou a novidade em janeiro, durante o Fórum Social Temático, em Porto Alegre, onde o Bacalhau da Amazônia, também conhecido como Bacalhau do Norte, foi classificado como o melhor exemplo de alternativa para o desenvolvimento sustentável.
Durante o lançamento do produto em São Paulo, o secretário afirmou que o governo do Amazonas fez questão de escolher a capital paulista como a primeira cidade, depois de Manaus, a lançar o Bacalhau da Amazônia. “A maior cidade do país é também reconhecida pelo refinamento e pujança de sua gastronomia, então para nós é um grande desafio trazer este produto para cá, onde o mercado consumidor é muito exigente. Mas temos certeza que os paulistas, em pouco tempo, aprenderão a gostar do bacalhau de pirarucu tanto quanto nós, amazonenses, gostamos”, disse Eron.
Ele agradeceu a parceria com o grupo Pão de Açúcar e também o apoio institucional dado pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que conseguiu viabilizar convênios e emendas parlamentares que garantiram o investimento necessário para o projeto do Bacalhau da Amazônia. O empreendimento recebeu investimento de R$ 4 milhões – divididos entre os governos estadual e federal, por meio da Financiadora de Projetos e Estudos (Finep), e pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).
Produção sustentável
O secretário destacou que o pirarucu salgado já está presente na mesa dos amazonenses há muito tempo, inclusive sendo vendido em abundância nos mercados populares, de forma artesanal, mas agora o processo de industrialização agrega valor ao produto cujos princípios de produção são a sustentabilidade ambiental, a justiça social e a viabilidade econômica.
Segundo ele, a iniciativa busca promover e assegurar o uso sustentável da biodiversidade, respeitando a cultura e tradições dos produtores e ribeirinhos, que se encontram dentro do bioma amazônico. "O Bacalhau da Amazônia é considerado a grife das grifes da Amazônia porque transforma a riqueza natural em riqueza material. Isto sim é sustentabilidade real, criando alternativa econômica a partir da nossa matéria-prima", declara o secretário.
Para a senadora Vanessa Grazziotin, “o que está acontecendo no Amazonas, com projetos como esse, é a aplicação, na prática, de todo o debate que se faz sobre sustentabilidade”.
Também presente no evento, o pescador Luiz Gonzaga Medeiros de Matos, o Luizão, diz que o projeto do Bacalhau da Amazônia conseguiu colocar a cidade de Maraã no mapa do Brasil. Líder da colônia de pescadores da reserva de desenvolvimento sustentável Mamirauá, ele fala com emoção e orgulho do projeto e destaca que a pesca manejada ajudou a conscientizar os pescadores sobre a importância da preservação ambiental . “Quem mora na região precisa sobreviver e iria continuar pescando ilegalmente se não houvesse este projeto. Hoje, temos muitas regras para poder manejar o pirarucu. É preciso pagar vigias para evitar que pessoas de fora façam a pesca predatória, por exemplo. E temos que respeitar a época de pesca, restrita aos meses de outubro e novembro, com limitação de número de peixes pescados”, diz. Anualmente, é permitido pescar até 30% dos pirarucus adultos, que já chegaram aos 60 kg.
Estima-se que há cerca de 40 mil peixes da espécie na área de manejo. A primeira safra voltada para a produção de bacalhau ocorreu no ano passado e contou com 2.700 peixes que foram retirados de 37 lagos da Reserva Mamirauá.
Fábrica em Maraã
A primeira indústria do produto na América do Sul foi inaugurada no ano passado pelo governador Omar Aziz no município de Maraã (a 635 km de Manaus), com capacidade de processar 1,5 mil toneladas por ano. Uma segunda fábrica de salga de peixe, com o dobro da capacidade, está sendo construída no município de Fonte Boa (a 680 quilômetros de Manaus). Com as duas fábricas em atividade, será possível processar todo o pirarucu do Estado, garante a Sepror.
O faturamento dos produtores que fornecem pirarucu para a Fábrica de Bacalhau da Amazônia teve acréscimo de quase 100% só nos quatro primeiros meses de operação da fábrica.
Se cada tonelada de bacalhau for vendida a R$ 25 mil (o quilo a R$ 25), o faturamento das duas indústrias alcançará algo em torno de R$ 112,5 milhões, o equivalente a 2 vezes o orçamento anual das duas cidades. As fábricas serão abastecidas com o pescado de áreas de manejo, como a reserva de Mamirauá e outras RDS da região.
Segundo Eron Bezerra, com o investimento feito na produção do bacalhau de pirarucu, o Governo conseguiu solucionar dois problemas de uma vez só. “Isso porque nós elevamos o preço pago ao produtor e acabamos com a falta de mercado, já que a Fábrica de Bacalhau da Amazônia tem capacidade de processar tudo o que hoje é produzido”, afirma.
Benefícios para a comunidade
Ainda de acordo com Eron, a atividade também ganha relevância por ser autossustentável. Ele explica que, de uma forma geral, o processo de industrialização do pescado costuma ter perdas, mas, no caso da indústria de Maraã, isso não aconteceu. Para que a produção fosse economicamente viável, das 160 toneladas de pirarucu adquiridas seria necessário transformar em produto final pelo menos 30 toneladas. “O Amazonas ultrapassou essa meta. De todo o peixe comprado pelo governo, nós aproveitamos entre 60 e 80 toneladas. Somos autossustentáveis”, comemora o secretário.
Sessenta por cento do peixe processado é transformado em mantas (filé), dos quais 65% são aproveitados pelo processo de salga. As unidades de beneficiamento também estarão aptas a trabalhar com outras espécies de peixe.
Além de gerar 150 empregos diretos e milhares de empregos indiretos, o projeto das indústrias de salga inclui a instalação de creches para as funcionárias e pescadores que tiverem filhos, a construção de áreas de lazer e o principal: a participação no lucro do empreendimento por parte dos pescadores que fornecem matéria-prima para a indústria. Dos 700 pescadores da colônia Z32 de Maraã, 530 estão capacitados para fazer o manejo sustentável do pirarucu.
Pirarucu também é bacalhau?
Há certa polêmica sobre o uso do termo “bacalhau”. Muitos especialistas argumentam que “bacalhau” é um processo específico de salga e cura do peixe, do qual é retirada em média 50% da sua umidade, portanto qualquer pescado que passe por este processo poderia ser batizado de bacalhau. No mercado brasileiro, cinco espécies de peixe são comercializadas como bacalhau (Gadus Morhua, Gadus Macrocephalus, Saithe, Ling e Zarbo). Todas são da ordem dos Gadiformes e provenientes de águas marítimas profundas e geladas.
E há ainda os radicais que acham que somente os dois primeiros (Cod Gadus) têm direito de receber o nome de bacalhau. Por outro lado, também tem quem defenda que o pirarucu salgado não deveria ser chamado de bacalhau pois isso seria uma forma de “desnacionalizar” um produto tipicamente brasileiro. Eron Bezerra discorda desta opinião e argumenta que por não se tratar de um tipo de peixe, mas sim de um processo de salga, o termo bacalhau pode ser aplicado ao pirarucu e irá facilitar sua comercialização, criando uma marca nacional forte, capaz de disputar mercado com o produto importado.
No caso do pirarucu, embora seja de água doce e não faça parte da ordem dos Gadiformes, sua carne se adapta muito bem ao processo de salga utilizado, o que faz com que possa ser vendido como bacalhau. Após dessalgado, sua carne lembra o bacalhau tradicional, tem cor semelhante, variando do branco ao amarelo, mas tem um sabor único. Dependendo da preparação, seu sabor pode ficar mais forte ou mais suave que o bacalhau tradicional. Sua textura também é menos fibrosa que a dos demais tipos de bacalhau e se desfaz em lascas muito bem. Substitui o peixe europeu em qualquer receita e, segundo os chefs que já trabalharam com o produto, ele é ainda mais versátil que o bacalhau tradicional.
O chef do Dressing Ednaldo de Santana, em parceria com o chef Felipe Schaedler, do restaurante Banzeiro, de Manaus, elaboraram um menu especial para o lançamento em São Paulo, incluindo um canapé com pirarucu desfiado e farofa de uarini e pacovan servido na escama do peixe; consommé de tucupi com pirarucu seco; uma brandade de bacalhau e dois pratos principais: pirarucu amazonense (ao forno com fatias de pimentão, vinho branco e creme de castanha do Pará) e Bacalhau de Pirarucu (com mousseline de mandioquinha, leite de coco e gengibre).
O chef do Dressing disse que gostou muito desta primeira experiência com o pirarucu salgado e pretende incluir o produto no cardápio fixo do restaurante paulistano. “A combinação com a farofa de uarini ficou muito boa e podemos trabalhar com esta receita em entradas e também em pratos principais”, disse. Seu colega de Manaus, Felipe Schaedler, afirma que receitas tradicionais como o Bacalhau a Zé do Pipo, Bacalhau a Gomes de Sá e muitas outras podem perfeitamente ser preparadas com o bacalhau de pirarucu. Mas o chef do Banzeiro ressalta que o bacalhau da Amazônia é diferente do bacalhau que conhecemos. “O pirarucu salgado tem textura e sabor diferentes. O peixe é mais gorduroso”, diz.
O diretor comercial do Pão de Açúcar, Pedro Henrique, diz que estão correndo contra o tempo para tentar colocar o peixe à venda antes da Páscoa, mas questões burocráticas podem inviabilizar este intento. “Mesmo se não der para disponibilizar até a Páscoa, não tem problema, os paulistanos consomem bacalhau o ano todo e acreditamos que o produto vindo da Amazônia será um sucesso de venda”, disse.
A expectativa da rede, que vende mais de 5 mil toneladas de bacalhau importado por ano, é que a versão amazonense alcance 5% deste mercado. Também há um acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel/AM) para a comercialização direta do produto industrializado com a cadeia de restaurantes local.
Inicialmente, o produto será vendido apenas em São Paulo, porém, a perspectiva do grupo é levá-lo em breve aos demais Estados brasileiros, especialmente ao Rio de Janeiro – um dos maiores consumidores de bacalhau no Brasil e ao Centro Oeste – grande consumidor de peixes da região Norte. Atualmente o grupo tem filiais em 19 Estados para onde o Bacalhau da Amazônia poderá ser enviado, se houver aceitação suficiente no mercado paulista. O quilo do peixe salgado deve ser vendido em São Paulo com o preço de R$ 35,00 a R$ 39,00.
Vôos internacionais
A marca Bacalhau da Amazônia também poderá alçar voos internacionais. O Governo do Estado e o Ministério de Relações Exteriores (MRE) irão promover, no dia 24 de abril, no Palácio do Itamaraty, em Brasília, o lançamento do produto para as Embaixadas Estrangeiras com sede na capital federal.
Durante o almoço de lançamento em São Paulo, Eron Bezerra disse que “não será surpresa se no futuro estivermos vendendo nosso bacalhau brasileiro para os noruegueses”. A Noruega é, tradicionalmente, o país mais identificado com a produção e exportação do bacalhau.
*Cláudio Gonzalez é jornalista, editor-executivo da revista Princípios e edita o blog gastronômico
Papillon
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