sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Reportagem - Reproduzimos uma importante matéria publicada no Século Diário em fevereiro de 2012, fazemos côro e desejamos que o próximo prefeito e vereadores consigam enxergar o potencial turístico do Museu África Brasil em São Mateus.

Sermões para as próximas gerações


Rogerio Medeiros
Foto capa: Rogerio Medeiros 
Fotos: Rogério Medeiros

O historiador Maciel de Aguiar,  autor de mais de 200 trabalhos sobre o período escravocrata do Espírito Santo, entrega nesse sábado( 11), no porto de São Mateus, por onde entravam os escravos vindos da África, o museu ÁfricaBrasil, denominação dada devido à sua característica intercontinental.
Há 34 anos, Maciel garimpa antigas peças afro ligadas à escravidão brasileira e também reproduz tamanho normal, em fibra de vida, os grandes guerreiros negros que estiveram em luta na região norte do Estado, com maior intensidade em São Mateus que reunia, na época, a mais violenta elite escravocrata capixaba. 
Sessenta e dois anos depois, Maciel repete o feito de um  outro capixaba que, como ele, teve seus trabalhos rejeitados pela academia. No final dos anos 40, o capixaba Augusto Ruschi (1915-1986) surpreendeu a ciência, inaugurando, no pequeno e bucólico município serrano de Santa Teresa,  um museu dedicado às pesquisas biológicas a que deu o nome do seu mestre Mello Leitão. Foi saudado  na Europa, onde já era reverenciado como importante naturalista em função do seu trabalho científico junto à Mata Atlântica, que atraíra num passado, um tanto oo quanto distante,   notáveis viajantes estrangeiros que se deslumbraram com a sua beleza. De Ruschi, entre os importantes  trabalhos científicos realizados no museu Mello Leitão, encontra-se  o dos beija-flores. Cerca de 60 do se conheçia dele ainda hoje é frutos de pesquisas.  
Apesar de admirado no primeiro mundo, sobretudo na Europa, Ruschi  foi detonado  em sua terra natal por não pertencer à comunidade acadêmica. O mais tradicional jornal capixaba, a Gazeta, chegou ao disparate de colocar sob suspeita os  seus trabalhos científicos,  a ponto de chegar a considerá-lo um charlatão.
Como Ruschi, Maciel também fez o seu museu (foto ao lado) com recursos próprios. Enquanto Ruschi valeu-se da contribuição de entidades internacionais ligadas às causas ambientais, Maciel fez o seu vendendo livros e não se furta em reconhecer que entre os livros que mais contribuíram encontra-se a história de Pelé, com quem estabeleceu relações quando redator da editoria de Esportes do Jornal do Brasil. Por ter sido vendido em vários idiomas, o livro de Pelé rendeu praticamente mais de um terço dos recursos empregados no museu.
Foram mais de 20 anos  ligados a colecionadores de peças na Africa, e de agentes que estabeleceu relações e credenciou para encontrar as que se relacionavam com as origens dos escravos africanos  que se fixaram no Espírito Santo. O êxito da operação contribuiu para que o museu seja  detentor  das maiores  coleções  de esculturas e máscaras africanas. Não há similares nos demais museus como atestaram antropólogos e historiadores que o visitaram como avaliadores.    
O naturalista  Augusto Ruschi iniciou-se no mundo da ciência desafiando um notável cientista italiano vindo ao Brasil para pesquisar uma praga que aniquilava os laranjais brasileiros. Provou para ele que o seu diagnóstico era errado, pois fora todo ele baseado em  literatura inadequada para um fenômeno típico dos trópicos e deu a sua receita que realmente viria a controlar a praga. Ruschi havia se baseado nos seus conhecimentos da Mata Atlântica. É celebre o dialogo entre os dois,  quando Ruschi, um jovem de apenas  de 22 anos de idade, disse ao consagrado cientista: “Eu vi, o senhor leu.”
Ruschi travava esse diálogo com um dos mais importantes cientista da Europa, nada mais e nada menos, na época,  do que o titular do Reggio Laboratório de Entomologia de Portici, Napóles,  Fillipo Silvestri, que haveria de recomendar ao Museu Nacional que inclui-se imediatamente Ruschi entre seus pesquisadores e o deixasse na floresta pesquisando e dando continuidade a importantes  revelações.
Voltemos, pois há  mais uma semelhança de comportamento do  Ruschi com o  do Maciel.  Ele também  subverteu a forma de pesquisar: foi de encontro dos negros que detinham a história de sua raça e os transformou em parceiros em suas pesquisas. O seu trabalho não dispensou os livros, mas  valeu-se, prioritariamente,  da história oral do sertão.
Aos ataques da academia ao seu método, Maciel se contrapunham  ao  da academia em buscar a história nos livros e nos processos judiciais. Demonstrando que a academia faz a história das elites, enquanto ele  fazia  a dos  vencidos.  Ilustra a desavença de método com  a história do maior e líder dos escravos no norte do estado : Benedito Meia Légua.
“Meia Légua – assegura - juntava os escravos para a luta contra os jagunços dos fazendeiros escravocratas apenas com uma pequena imagem de São Benedito. Foi queimado e morto. Encontraram com ele apenas  essa imagem do santo  devidamente acomodado num embornal. Nenhuma arma. No entanto,  o seu processo na Justiça,  o tratou como assaltante, estuprador e assassino. No de Maciel,  ele figura como uma das mais notáveis figura da história do Espírito Santo. Evidente que o caso dele não é isolado, existeM milhares de outros semelhantes pelo país afora,  demonstrando claramente de quem  faz realmente a história do Brasil  é é o judiciário através de seus juízes.
Prosseguindo na semelhança da história de Ruschi com a  de Maciel,  vamos chegar Às perseguição que moveram aos dois os respectivos governadores de seus períodos:  Élcio Alvares e Paulo Hartung. Mas eles retribuíram com críticas duras e ácidas. 
Elcio chegou à suprema ousadia de  querer tomar do Ruschi a guarda de uma dos maiores patrimônios da natureza, que é a Estão Biológica de Santa Lúcia,em Santa Teresa, que guarda as maiores coleções de bromélias e orquídeas  dos trópicos. Só não a derrubou para dar lugar a um projeto de plantio de palmito pela reação de Ruschi que o ameaçou matá-lo. Na Santa Lúcia, Ruschi ele realizou cerca de 210 trabalhos científicos.
Maciel foi um implacável crítico do governo Paulo Hartung que retribuiu impondo que  sua secretaria de Educação não comprasse um único exemplar de sua  vasta obra sobre a  negritude capixaba, algo que não ocorreu nos demais estados da federação, que adquiriram e implantaram nos seus currículos  de segundo grau.
Numa linguagem  demolidora em seu liivro “Nós, Os Capixabas”, ele  tratou Paulo Hartung “ como um insidioso  imperador que espalha factóides pela imprensa amiga – implantou a ditadura do temor, subjugou os demais poderes, aliciou intelectuais, criou um DOI-CODI moral para execrar os desafetos e ainda faz posse de exclusivista da moralidade tipo anjo querubim. “
Mas a perseguição movida contra ele não partiria  somente do ex-governador Paulo Hartung. Ela também veio da academia capixaba através da sua professora Eleonor Araújo, responsável pelo setor de diversidade racial do ministério da Educação, em Brasília. Recusou a compra de seus livros com base na velha animosidade  entre  o escritor e a Ufes.
O extraordinários resultados, obtidos por Ruschi e  Maciel,  deveriam, pelo menos, servirem de sermão para as próximas gerações de capixabas.

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