Sermões para as próximas gerações
Rogerio Medeiros
Foto capa: Rogerio Medeiros
Fotos: Rogério Medeiros
O historiador Maciel de Aguiar, autor de mais de 200 trabalhos sobre o período escravocrata do Espírito Santo, entrega nesse sábado( 11), no porto de São Mateus, por onde entravam os escravos vindos da África, o museu ÁfricaBrasil, denominação dada devido à sua característica intercontinental.
Há 34 anos, Maciel garimpa antigas peças afro ligadas à escravidão brasileira e também reproduz tamanho normal, em fibra de vida, os grandes guerreiros negros que estiveram em luta na região norte do Estado, com maior intensidade em São Mateus que reunia, na época, a mais violenta elite escravocrata capixaba.
Sessenta e dois anos depois, Maciel repete o feito de um outro capixaba que, como ele, teve seus trabalhos rejeitados pela academia. No final dos anos 40, o capixaba Augusto Ruschi (1915-1986) surpreendeu a ciência, inaugurando, no pequeno e bucólico município serrano de Santa Teresa, um museu dedicado às pesquisas biológicas a que deu o nome do seu mestre Mello Leitão. Foi saudado na Europa, onde já era reverenciado como importante naturalista em função do seu trabalho científico junto à Mata Atlântica, que atraíra num passado, um tanto oo quanto distante, notáveis viajantes estrangeiros que se deslumbraram com a sua beleza. De Ruschi, entre os importantes trabalhos científicos realizados no museu Mello Leitão, encontra-se o dos beija-flores. Cerca de 60 do se conheçia dele ainda hoje é frutos de pesquisas.
Apesar de admirado no primeiro mundo, sobretudo na Europa, Ruschi foi detonado em sua terra natal por não pertencer à comunidade acadêmica. O mais tradicional jornal capixaba, a Gazeta, chegou ao disparate de colocar sob suspeita os seus trabalhos científicos, a ponto de chegar a considerá-lo um charlatão.
Como Ruschi, Maciel também fez o seu museu (foto ao lado) com recursos próprios. Enquanto Ruschi valeu-se da contribuição de entidades internacionais ligadas às causas ambientais, Maciel fez o seu vendendo livros e não se furta em reconhecer que entre os livros que mais contribuíram encontra-se a história de Pelé, com quem estabeleceu relações quando redator da editoria de Esportes do Jornal do Brasil. Por ter sido vendido em vários idiomas, o livro de Pelé rendeu praticamente mais de um terço dos recursos empregados no museu.
Foram mais de 20 anos ligados a colecionadores de peças na Africa, e de agentes que estabeleceu relações e credenciou para encontrar as que se relacionavam com as origens dos escravos africanos que se fixaram no Espírito Santo. O êxito da operação contribuiu para que o museu seja detentor das maiores coleções de esculturas e máscaras africanas. Não há similares nos demais museus como atestaram antropólogos e historiadores que o visitaram como avaliadores.
O naturalista Augusto Ruschi iniciou-se no mundo da ciência desafiando um notável cientista italiano vindo ao Brasil para pesquisar uma praga que aniquilava os laranjais brasileiros. Provou para ele que o seu diagnóstico era errado, pois fora todo ele baseado em literatura inadequada para um fenômeno típico dos trópicos e deu a sua receita que realmente viria a controlar a praga. Ruschi havia se baseado nos seus conhecimentos da Mata Atlântica. É celebre o dialogo entre os dois, quando Ruschi, um jovem de apenas de 22 anos de idade, disse ao consagrado cientista: “Eu vi, o senhor leu.”
Ruschi travava esse diálogo com um dos mais importantes cientista da Europa, nada mais e nada menos, na época, do que o titular do Reggio Laboratório de Entomologia de Portici, Napóles, Fillipo Silvestri, que haveria de recomendar ao Museu Nacional que inclui-se imediatamente Ruschi entre seus pesquisadores e o deixasse na floresta pesquisando e dando continuidade a importantes revelações.
Voltemos, pois há mais uma semelhança de comportamento do Ruschi com o do Maciel. Ele também subverteu a forma de pesquisar: foi de encontro dos negros que detinham a história de sua raça e os transformou em parceiros em suas pesquisas. O seu trabalho não dispensou os livros, mas valeu-se, prioritariamente, da história oral do sertão.
Aos ataques da academia ao seu método, Maciel se contrapunham ao da academia em buscar a história nos livros e nos processos judiciais. Demonstrando que a academia faz a história das elites, enquanto ele fazia a dos vencidos. Ilustra a desavença de método com a história do maior e líder dos escravos no norte do estado : Benedito Meia Légua.
“Meia Légua – assegura - juntava os escravos para a luta contra os jagunços dos fazendeiros escravocratas apenas com uma pequena imagem de São Benedito. Foi queimado e morto. Encontraram com ele apenas essa imagem do santo devidamente acomodado num embornal. Nenhuma arma. No entanto, o seu processo na Justiça, o tratou como assaltante, estuprador e assassino. No de Maciel, ele figura como uma das mais notáveis figura da história do Espírito Santo. Evidente que o caso dele não é isolado, existeM milhares de outros semelhantes pelo país afora, demonstrando claramente de quem faz realmente a história do Brasil é é o judiciário através de seus juízes.
Prosseguindo na semelhança da história de Ruschi com a de Maciel, vamos chegar Às perseguição que moveram aos dois os respectivos governadores de seus períodos: Élcio Alvares e Paulo Hartung. Mas eles retribuíram com críticas duras e ácidas.
Elcio chegou à suprema ousadia de querer tomar do Ruschi a guarda de uma dos maiores patrimônios da natureza, que é a Estão Biológica de Santa Lúcia,em Santa Teresa, que guarda as maiores coleções de bromélias e orquídeas dos trópicos. Só não a derrubou para dar lugar a um projeto de plantio de palmito pela reação de Ruschi que o ameaçou matá-lo. Na Santa Lúcia, Ruschi ele realizou cerca de 210 trabalhos científicos.
Maciel foi um implacável crítico do governo Paulo Hartung que retribuiu impondo que sua secretaria de Educação não comprasse um único exemplar de sua vasta obra sobre a negritude capixaba, algo que não ocorreu nos demais estados da federação, que adquiriram e implantaram nos seus currículos de segundo grau.
Numa linguagem demolidora em seu liivro “Nós, Os Capixabas”, ele tratou Paulo Hartung “ como um insidioso imperador que espalha factóides pela imprensa amiga – implantou a ditadura do temor, subjugou os demais poderes, aliciou intelectuais, criou um DOI-CODI moral para execrar os desafetos e ainda faz posse de exclusivista da moralidade tipo anjo querubim. “
Mas a perseguição movida contra ele não partiria somente do ex-governador Paulo Hartung. Ela também veio da academia capixaba através da sua professora Eleonor Araújo, responsável pelo setor de diversidade racial do ministério da Educação, em Brasília. Recusou a compra de seus livros com base na velha animosidade entre o escritor e a Ufes.
O extraordinários resultados, obtidos por Ruschi e Maciel, deveriam, pelo menos, servirem de sermão para as próximas gerações de capixabas.